segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A poesia e o "Anjo Malaquias"

Em 2006 comemorávamos os cem anos de um dos maiores poetas brasileiros, nascido em Alegrete numa noite fria de 31 de julho, Mario Quintana (Anjo Malaquias, segundo o Erico Veríssimo)que escolheu as palavras para retratar as angustias e os desafios da existência. Fazia poesia com tudo que via e ouvia, era capaz de filosofar com as mais profundas incertezas da alma (A vida é indivisível. Dize, Qual o sentido do calendário?) ou de coisas simples como a preguiça (Por causa tua, quantas más ações deixei de cometer!) ou ainda de temas insólitos como a morte (A morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos). Sua poesia não tem idade, nem sexo, nem ideologia, nem cor, só tem paixão. Contudo é preciso saber “ouvir” o nosso próprio coração para entendê-lo, o que todos são capazes. Lembro que neste ano um jovem acadêmico comentou que não gostava de poesia, pois não as entendia. Desafie-lhe a ler um dos livros do Quintana (O aprendiz de feiticeiro), mas antes salientei que ele deveria se deixar levar pelos olhos da alma, usufruir das batidas do coração em sintonia com a natureza do silêncio. O tempo passou. Esqueci-me deste jovem. Quando então o não mais jovem acadêmico, mas agora um jovem profissional, reapareceu (agora já com vários anos de poesia) me chamou e disse:- Entendi professor! Entendi! Sem saber muito bem do que ele estava se referindo, estendi o olhar, e ele disse-me, agora pausada e poeticamente outra pérola do Anjo Malaquias: “Teus poemas, não os dates nunca...as almas não entendem disso”. Não sei mais por onde andará “aquele que não entendia de poesia”, mas certamente andará poetizando quintanares por ai. Para entender poesia têm que ser também um pouquinho poeta, um pouquinho sonhador e amar incondicionalmente a  existência humana. Bem, se for Anjo como o Mario não precisa de  nada disso, basta respirar.  

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

AS IDEOLOGIAS E POLITICAS ECONÔMICAS DIANTE DA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL

A preocupação básica das Ciências Econômicas é dar aos recursos[1] sua melhor utilização, atendendo aos objetivos primários da sociedade como um todo melhorando a qualidade de vida dos seus cidadãos.
Conforme Ely (1990, p. 79):
Problemas Econômicos são problemas de alocação de recursos escassos nos seus usos alternativos para maximizar o bem-estar social. Essa afirmação parece um tanto trivial, mas permitirá estabelecer o ponto de partida para discussões sobre o meio ambiente, como um recurso econômico.
Sendo assim, os problemas ambientais fazem parte do problema econômico geral de alocação e distribuição dos recursos. Os efeitos da poluição e o impacto ambiental sobre o bem-estar social em diferentes situações devem ser tratados conjuntamente na busca por melhoria do  bem-estar.
Conforme Moura (2003, p. 1): “A abordagem atual do tema “Meio Ambiente” leva em conta que os recursos naturais são limitados (finitos e frequentemente escassos) e, portanto, o seu uso deve ser feito de maneira sustentável, ou seja, com economia”.
Os homens com o intuito de satisfazer estas necessidades que são ilimitadas, produziram ao longo dos anos, quantidades excessivas de resíduos, que vão além da capacidade de absorção da natureza, causando a degradação irreversível do meio ambiente (ELY, 1990).
Diante disso, surge o conceito econômico do meio ambiente que não é somente produzir, alocando recursos escassos, mas também, preocupar-se com a forma de utilização destes recursos de maneira a aperfeiçoar os materiais envolvidos nos processos produtivos, bem como minimizar a degradação dos recursos naturais e a deteriorização da qualidade do meio ambiente.
As escolas e as ideologias
Desde o final da década de 1960, um número crescente de economistas vem se interessando pela questão ambiental e ecológica. Uma expressiva literatura da denominada economia ambiental, desde então, vem sendo produzida, reestruturando as teorias econômicas já existentes, adaptando-as aos problemas atuais do meio ambiente. Abaixo as principais correntes que têm instigado as discussões sobra à problemática ambiental, no âmbito da ciência econômica nas últimas décadas:
Escola Pessimista
Esta escola é conhecida em inglês por Doomdey School, é comparada com a imagem do quadro do “juízo final”. O pensamento dessa escola pode ser compreendido pelo seu próprio pessimismo, ou seja, os seguidores colocam o problema da degradação ambiental como sendo sem solução; argumentam que é muito tarde para interromper o processo que o próprio homem traçou. Para eles, o futuro será o fim da raça humana por meio da superpopulação, da subnutrição, da fome e das doenças.
Outros integrantes da Escola Pessimista são alguns cientistas naturais que prevêem mudanças de temperatura da Terra como um resultado da acumulação de dióxido de carbono na atmosfera em conseqüência do degelo glacial e outros desastres de grandes proporções[2].
O mérito desta escola é a divulgação de uma série de relatórios, entre os quais, de expressiva repercussão mundial, o do Clube de Roma[3] e o estudo de Dennis L. Meadows e um grupo de pesquisadores intitulado “Limites do Crescimento” relatório para o Clube de Roma sobre o dilema da humanidade frente a finitude dos recursos naturais.
Os pensadores desta escola conseguiram formar mundialmente uma maior conscientização, não só do mundo científico, mas também sensibilizaram os governos e as instituições internacionais, como a ONU, que no Congresso dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente, em Estocolmo em 1972 criou o Programa do Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), com sede em Nairobi, no Kenya, hoje um dos órgãos internacionais mais ativos em relação à problemática ambiental.
Conforme Ely (1990), no entanto, é preciso reconhecer que existe uma evidência histórica acumulada de que o crescimento populacional nas nações industrializadas tem, se não estacionado, diminuído apreciavelmente. Neste sentido a visão apocalíptica do futuro deveria ser rejeitada. Além do mais, se realmente se acredita num futuro sem esperanças, não se pode esperar nenhum esforço para melhorar o bem-estar social presente e tampouco futuro. O que não condiz com a história da humanidade, que de alguma forma ou outra tem se mantido no planeta por mais de 4 mil anos.
Escola Minimalista
Essa escola apresenta um pensamento totalmente contrário ao da Escola Pessimista, pois seus adeptos colocam que o problema da deterioração do meio ambiente é um problema menor quando comparado com os problemas contemporâneos da sociedade, tais como: pobreza, miséria, os direitos civis e a integração educacional, dentre outros.
Os seguidores dessa escola, afirmam que os líderes políticos advogam uma melhoria ambiental, porque estão desviando a atenção do público pelas suas falhas em resolver problemas prioritários e crucialmente mais sérios.
No entanto, tais seguidores esqueceram que uma maior atenção para com a questão ambiental não significa negligenciar outros problemas sociais, ao contrário, a melhoria da qualidade de vida pressupõe uma melhoria na qualidade ambiental. A sociedade que zela por uma melhoria na qualidade do seu meio ambiente, advoga intrinsecamente o desenvolvimento integral de suas faculdades psíquicas, sociais e biológicas, buscando também combater a pobreza, a miséria e as desigualdades sociais e econômicas.
Escola Coletivista (Socialista)
Esta escola explica a deterioração da qualidade ambiental como sendo a consequência inevitável da exploração capitalista. Para essa escola, a resolução dos problemas ambientais consiste em adotar a política do planejamento central. Sugerindo que a livre iniciativa de mercado e o incentivo ao lucro devam ser substituídos pelo planejamento estatal. Os problemas ambientais desapareceriam sob a tutela, apropriação e administração dos recursos pelo Estado.
Porém, os países de planejamento central, ditos socialistas, como exemplo mais concreto a União Soviética, confrontam-se com problemas de poluição em graus tão sérios quanto os problemas dos países capitalistas.
Segundo Ely (1990, p. 74):
A experiência histórica dá fortes evidências de que a questão ambiental não vai ser resolvida com uma disputa ideológica e de lideranças sobre o mundo. Ambos os sistemas dão primazia ao uso dos recursos para atender prioridades de segurança nacional, e a poluição encontra campo aberto para deteriorar, em proporções crescentes, o meio ambiente.
Portanto, a questão ambiental deve harmonizar a função política e a econômica que adota sistemas de produção e consumo contribuindo para uma melhoria ambiental. Não é preciso ser capitalista ou socialista, pois a organização estável de ecossistemas está baseada em regras claras e dispensa qualquer concepção ideológica.
Escola de Crescimento Zero
O grupo mais expressivo entre os adeptos ambientalistas está associado à Escola de Crescimento Zero. A tese dessa escola é de que a degradação ambiental é causada pelo aumento de consumo de bens, e é preciso conter o crescimento da população e, como consequência, o da produção. Para seus seguidores os recursos naturais são limitados e, portanto, o homem tem a obrigação de equacionar suas necessidades de acordo com a limitação da natureza a fim de manter o equilíbrio natural do ambiente, garantindo a sua própria sobrevivência.
Conforme Ely (1990), esses argumentos não são suficientes para manter o equilíbrio desejado, isto é, não é possível manter um crescimento econômico zero. O que o mundo necessita é de novas tecnologias e de novos comportamentos de consumo, de forma a amenizar os problemas de degradação ambiental.
É válido destacar que o crescimento econômico zero além de inviável é indesejável, ou seja, a humanidade não se desenvolve se não houver crescimento econômico. Os problemas relacionados ao meio ambiente devem ser solucionados com a busca de alternativas em relação ao progresso tecnológico de maneira a adequar os padrões de consumo à produção.
Além disso, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) capacita as economias nacionais a enfrentar os altos custos de despoluição que o modelo econômico de produzir - poluir - despoluir vem impondo.
Portanto, os problemas ambientais devem ser resolvidos pelo redimensionamento do crescimento econômico e o uso alternativo dos recursos na economia. Deve obedecer a critérios baseados na adequação do progresso tecnológico e do comportamento de consumo. Na verdade, o problema da questão ambiental não é só crescer economicamente, mas promover um progresso econômico sustentado. Assim este progresso deve estar focado numa mudança tecnológica e num padrão de consumo que tenha profundo respeito aos aspectos ecológicos que os ecossistemas exigem.
Em outras palavras é perfeitamente viável uma economia crescer a taxas compatíveis com sua realidade social sem que os equilíbrios dos ecossistemas sejam violentados pela poluição e ou degradação. Mas isso só se tornará realidade quando o sistema econômico estiver organizado em outros princípios, tais como satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, participação e auto-suficiência dos indivíduos na política e um profundo respeito ecológico.
Escola de Austeridade
Essa escola segue quase os mesmo princípios da perspectiva ideológica da escola do crescimento zero. Para os seus seguidores, o declínio da qualidade ambiental é produzido pela excessiva e abusiva utilização dos recursos. Neste caso a austeridade seria a melhor solução, e a conservação dos recursos, só será possível com a diminuição da produção, do consumo e da poluição.
Os seguidores dessa escola sugerem que a sociedade deveria converter-se de uma sociedade de produtores de resíduos em uma sociedade de afinados poupadores. Sendo assim a proposta sugerida para evitar a degradação do meio ambiente se daria por meio da redução do consumo e da produção.
Escola de Prioridades Públicas
Os seguidores da Escola de Prioridades Públicas argumentam que se o meio ambiente não está sendo devidamente preservado, os culpados são os governos, que estão mais preocupados com os gastos relativos à defesa nacional, a exploração espacial, ao incentivo a grandes obras de infra-estrutura e a manutenção das elites políticas no poder e não investem na preservação dos recursos naturais de seus territórios. O governo, segundo tais seguidores, é o responsável pela preservação ambiental e para tal deveria re-alocar recursos financeiros para manter sua integridade e garantir a sua perpetuação, com a instituição de políticas públicas ambientais.


[1] “Termo geral aplicado, na Economia, para tudo aquilo que contribui para produzir bens e serviços disponíveis para o consumo” (ELY, 1990, p.79).
[2] “Garret (1976) aborda os famosos desastres naturais ocorridos no mundo” (ELY, 1990, p. 72).
[3] “Há vários relatórios que sustentam tal pensamento pessimista e preocupante e alertam para o grave problema da degradação ambiental no mundo. Destacam-se o relatório Founex (1971), de Meadows et al. (1972 a) e IUCN (1980)” (ELY, 1990, p. 72).

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Publicações científicas para quem?

Rafael Cabral Cruz


We scientists can exercise control of our journals.
We can transform them from commercial
commodities back to instruments of service to
education and research. When we are in control,
we fulfill our responsibility to ourselves, to society,
to our institutions, and to our colleagues throughout
the world.
In recent times, purely commercial interests
have gained sway over too many of the journals
that we depend on for research information.
Maximizing profits has become the controlling
goal. A system that should serve us is at the mercy
of corporate acquisitions and profit-oriented
planners. Disseminating scholarly research seems
to be an afterthought”.
Michael L. Rosenzweig
Editor-in-Chief, Evolutionary Ecology Research
Professor, Department of Ecology and
Evolutionary Biology, University of Arizona
(ROSENZWEIG, 2001)

Recentemente, pressionados pelos critérios da CAPES para avaliação dos cursos de pós-graduação, nosso grupo de pesquisa começou a revisar os periódicos que possuíam classificação no sistema Qualis (CAPES, 2011) adequada para que o programa pudesse almejar, na próxima avaliação, pontuação para se qualificar para oferecer doutorado. Para tal, deveríamos selecionar periódicos de alta pontuação no sistema e passar a enviar nossos artigos para estas revistas. Como o objetivo era jogar com a regra do jogo, o grupo, acostumado a enviar seus artigos para as revistas das sociedades científicas mais relevantes para o grupo de pesquisa, surpreendeu-se com o fato de que todas as suas revistas se enquadravam na classe “B”. Resolvemos, então, pesquisar as revistas para selecionar revistas mais “qualificadas”. Interessante que, no mesmo período, sistematicamente estávamos recebendo correios eletrônicos dos editores das revistas das sociedades científicas pedindo o envio de artigos, pois a tendência das revistas era cair no sistema Qualis, por falta de submissão de artigos.
Nosso grupo de pesquisa é da área de gestão de recursos hídricos, área de conhecimento aplicado voltado para fornecer subsídios para que os tomadores de decisão possam qualificar sua ação, na busca da melhoria da qualidade de vida da população. Nossa principal sociedade científica, a ABRH - Associação Brasileira de Recursos Hídricos - historicamente, através das cartas emanadas de seus simpósios nacionais, bem como através dos artigos de suas revistas (RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos e REGA - Revista de Gestão de Água da América Latina), tem influído na construção do Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos, nos sistemas estaduais e na formação e qualificação dos quadros que atuam no sistema, tanto da sociedade civil como nos setores governamentais responsáveis. Isto em função de que estes instrumentos são lidos e apropriados por um grande percentual dos quadros envolvidos. Chamou-nos atenção que a RBRH, na área de Engenharias I, é uma revista B2 e a REGA, B3. Lógico que, dado este quadro, pessoal vinculado aos programas de pós-graduação somente irão enviar artigos para estas revistas se já tiverem alcançado as metas de pontuação para o período ou, de acordo com a prática da descida da montanha, após um artigo ser rejeitado nas revistas de maior classificação no sistema Qualis, encaminha-se, então, para revistas de classificação imediatamente inferior... Deste modo, as revistas  da ABRH tenderão por ficar com a sobra da produção dos grupos de pesquisa, aquilo que foi rejeitado nas revistas internacionais Qualis A. Isto sem falar que na área aplicada, na maior parte das vezes, os estudos são classificados como de âmbito regional pelos editores internacionais, levando uma grande parte dos melhores estudos a serem rejeitados nas mesmas.
Pode-se perceber que, mantidos os critérios de classificação do sistema Qualis, não somente as revistas das sociedades científicas nacionais tenderão a serem desacreditadas pela crescente redução da qualidade (consequência da migração das submissões para revistas Qualis A, onde , na área de Engenharias I somente existem 3: Anais da Academia Brasileira de Ciências, A2, e que recebe artigos de todas as áreas, o que diminui o interesse de áreas aplicadas; o Journal of the Brazilian Chemical Society e a Química Nova, que não são da área de recursos hídricos e que também são A2).
No Quadro 1 são apresentados os números de revistas Qualis A de acordo com a editora. Pode-se observar que somente as grande editoras privadas Elsevier, Springer, Wiley e Taylor & Francis respondem por 71,02% dos títulos de revistas Qualis A nas Engenharias I. Das 292 revistas Qualis A, somente 3 são brasileiras. Nenhuma da área de Recursos Hídricos. De acordo com Madras (2008), a Elsevier ocupava cerca de 28% de um mercado editorial científico que movimenta 15 bilhões de dólares por ano, ou seja, aproximadamente 4 bilhões de dólares. Em 2008, o Brasil investiu em C&T aproximadamente 18,4 bilhões de dólares (Quadro 2). Ou seja, o mercado editorial internacional movimentou quase a mesma coisa que o investimento brasileiro em C&T, incluindo todo o investimento público e privado. Esta situação de monopólio foi discutida por McGuigan & Russell (2008). Os autores demonstram que o modelo do negócio do setor de publicações científicas é circular, tendo na comunidade acadêmica a fonte da matéria prima e o mercado final. Diferentemente de outros setores, as editoras não pagam pela matéria prima, ou seja, não pagam pela elaboração dos artigos, assim como expropriam os autores dos direitos autorais, que são devidos à editora. Além disso, não pagam pelo trabalho que confere credibilidade e prestígio às revistas: o trabalho de revisão ad-hoc. Deste modo, a indústria somente paga pelo trabalho de distribuição dos trabalhos aos avaliadores, pela publicação em papel ou virtual e pela distribuição. Por sua vez, o mercado desta indústria são as bibliotecas acadêmicas, que são pressionadas para comprarem licenças das revistas mais caras e que possuem os melhores fatores de impacto (medidas e controladas pelas editoras). As instituições acadêmicas, pressionadas pelos indicadores de produtividade para alcançarem metas políticas (claramente fordistas), acabam por pressionar os seus pesquisadores para encaminharem artigos para as revistas de melhor pontuação, realimentando o círculo de retroalimentação positiva. Esta realidade foi bem identificada por Gooden et al. (2002), que demonstraram que o mercado de publicações científicas não tem elasticidade, o que determina liberdade para os monopólios subirem os preços sem redução da demanda. Este círculo vicioso, que faz com que, de 1986 a 2005, o gasto das bibliotecas acadêmicas ligadas à ARL (Association of Research Libraries) tenha aumentado 302%, enquanto que o número de ítens comprados tenha aumentado, no mesmo período, apenas 1,9% (MCGUIGAN & RUSSELL, 2008).
Marilena Chauí (1994), na sua obra “Convite à Filosofia”, nos elenca dois critérios para a razão: 1) a coerência interna das proposições com seus pressupostos e entre si; e 2) a capacidadde de produzir melhoria na qualidade de vida da humanidade. Em especial, o segundo critério nos leva a perguntar: os critérios de avaliação desenvolvidos pela CAPES, expressos no sistema QUALIS, bem como na avaliação dos programas de pós-graduação estão realmente a serviço da melhoria da qualidade de vida da humanidade? Os dados acima apresentados mostram que a produção científica não é exceção no fenômeno de acumulação capitalista que se expressa no elevado grau de monopolização, que é propriedade do sistema e que se expressa, no mercado de publicações científicas, como uma imagem em escala. Vitali et al. (2011) demonstram que os 50 principais conglomerados financeiros do mundo, capitaneados pelos gigantes de Wall Street e da Europa controlam cerca de 40% da economia mundial. A dinâmica do regime capitalista é baseada na acumulação. Não na qualidade de vida da humanidade. A estratégia das editoras científicas não é a divulgação e a construção do conhecimento para melhorar as condições de vida dos seres humanos e garantir a sustentabilidade, mas, sim, o lucro. De acordo com McGuigan & Russell (2008), as margens de lucro para publicações científicas e médicas da Elsevier rondam os 36%, para um setor que não paga pelo produto (artigos), pela avaliação ad-hoc e que vende para um mercado que não pode produzir sem acesso às revistas (mercado inelástico). Ou seja, é irracional. No entanto, as políticas de avaliação são um combustível para realimentar esta dinâmica. Estas políticas são definidas nos mais altos graus dos Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação. E são mediadas por debates dentro de colegiados em que grande parte dos membros são nossos colegas das Universidades.
Enquanto isto, o abismo entre a sociedade e as Universidades aumentam ao invés de diminuir. O sistema de avaliação, ao não implementar instrumentos para medir o grau de impacto da produção acadêmica na melhoria da qualidade de vida da humanidade, contribui para a irracionalidade do sistema, adotando, acriticamente, indicadores criados pelos próprios monopólios, de caráter fordista, e que tendem a manter a inelasticidade do mercado editorial monopolizado. Deste modo,  esta política representa uma sangria dos recursos do povo em C&T, que deveriam estar sendo aplicados em estudos e projetos destinados a construir um mundo melhor, mas que acabam sendo apropriados por uma pequena quantidade de investidores que controlam os monopólios editoriais.
E a comunidade acadêmica, como reage a isto? De forma totalmente resignada, rende-se ao sistema, planejando suas atividades de forma oportunista: vamos jogar de acordo com as regras do jogo! Tudo bem, mas o que é feito para mudar as regras do jogo? Nada.
Algumas reflexões já se encontram disponíveis na internet chamando para uma retomada do controle da publicação científica por parte dos cientistas que as produzem (por exemplo, BUCKHOLTZ, 2001).
O primeiro caminho é a reversão do processo de desvalorização da produção publicada em revistas nacionais, administradas pelas associações e sociedades científicas e tecnológicas nacionais, pois elas atingem um público comprometido com as tomadas de decisão que podem alterar de fato a qualidade de vida das pessoas próximas aos centros de produção do conhecimento. Isto significa que as revistas devem ser pontuadas e financiadas pelo poder público de acordo com a sua capacidade de influir na vida das pessoas e melhorá-las. Isto não significa desvalorizar as publicações internacionais, mas sim valorizar as nacionais. Áreas ligadas às ciências básicas podem surtir efeito em grupos de pesquisa de todo o mundo. Já as áreas de desenvolvimento e de tecnologia possuem impacto maior nas sociedades nas quais estão inseridas e onde os estudos de caso são elaborados. Os critérios não podem ser iguais. A única coisa em comum é que os critérios de avaliação devem medir a capacidade dos meios de publicação atingirem o público endógeno da área (comunidade acadêmica) e externo (comunidade em geral e, em especial, os tomadores de decisão) e de provocarem qualificação nos processos de tomada de decisão, resultando na melhoria da qualidade de vida das populações.
Esta mudança nos critérios pode estimular os produtores de artigos a buscarem temas que conectem mais a academia às comunidades, rompendo com o sistema de sustentação da dinâmica capitalista que submete todo o sistema de avaliação da produção em C&T aos interesses dos monopólios editoriais.
Mais conexão às comunidades, menos submissão ao mercado, eis a palavra de ordem!





















Quadro 1. Número de revistas Qualis A de acordo com a editora para a área de Engenharias I.
Editora
Número de revistas classe
A1 ou A2 no sistema Qualis
Percentual
Elsevier
133
45,55
Sociedades científicas e tecnológicas extrangeiras
47
16,10
Springer
36
12,33
Wiley
30
10,27
Taylor & Francis
11
3,77
Edições de órgãos governamentais extrangeiros
9
3,08
Sage Publishers
4
1,37
Kluwer
3
1,03
Sociedades Científicas Brasileiras
3
1,03
ICE Publishers
2
0,68
Mary Ann Liebert
2
0,68
PION
1
0,34
Tech Science Press
1
0,34
Maney Publishers
1
0,34
Chapman & Hall
1
0,34
Bentham Science
1
0,34
Oxford Journals
1
0,34
Blackwell
1
0,34
IOP (non-profit)
1
0,34
Annual Reviews (non-profit)
1
0,34
ARKAT (non-profit)
1
0,34
Non Profit Journal Group
1
0,34
E. Schweizerbart Sc. Publ.
1
0,34
Total
292
100,00
Fonte: CAPES (2011)



Quadro 2. Valores do PIB e dos investimentos em C&T, públicos e privados.
Ano
PIB
em milhões
de R$ correntes
Investimentos em C&T
Valores correntes em milhões de R$


2008
3.031.864,0
44.098,1
2009
3.185.125,0
49.913,6

Fonte: MCT (2011)


Referências:

BUCKHOLTZ, A. Declaring independence: returning scientific publishing to scientists. Journal of Eletronics Publishing, v.7, n.1, 2001. Disponível em http://quad.lib.umich.edu/cgi/t/text-id?c=jep;view=text;rgn=main;idno=3336451.0007.101. Acesso em 18/10/2011. DOI = 3336451.0007.101.

CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior. WebQualis - Lista Completa. Disponível em    http://qualis.capes.gov.br/webqualis/ConsultaListaCompletaPeriodicos.faces. Acesso em 18/09/2011.

CHAUI, M. S.  Convite à filosofia. 1. ed., São Paulo: Ática, 1994. 440 p.

MADRAS, G. Scientific publishing: rising cost of monopolies.  Current Science, v. 95, n.2, 2008. Disponível em http://www.ias.ac.in/currsci/jul252008/163.pdf. Acesso em 18/10/2011.

MCGUIGAN,G.S. & RUSSELL, R.D. The business of academic publishing: a strategic analysis of the academic journal publishing industry and its impact on the future of scholarly publishing. Eletronic Journal of Academic and Special Librarianship, v.9, n.3, 2008. Disponível em http://southernlibrarianship.icaap.org/content/v09n03/mcguigan_g01.html. Acesso em 18/10/2011.

MCT. Ministério da Ciência e Tecnologia.  Brasil: Dispêndio nacional em ciência e tecnologia (C&T), 2000-2009. Disponível em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/9058.html. Acesso em 19/10/2011.

ROSENZWEIG, M.L. Dear Colleague. In: SPARC; TRLN. Declaring Indenpendence. Disponível em http://www.arl.org/sparc/bm~doc/Declaring_Independence_Selection.pdf. Acesso em 18/10/2011.