Rafael Cabral Cruz
"É muito mais difícil matar um fantasma do que uma realidade" (Virgínia Woolf). Assim a autora descreve as dificuldades de lutar contra o "Anjo do Lar", estereótipo de papel da mulher vitoriana introjetado no seu inconsciente pela cultura dominante. Poderia perguntar, neste contexto, quais seriam os fantasmas que assombram nossa capacidade de construir um mundo melhor, de construir uma universidade que realmente construa cidadania?
O primeiro fantasma é o senso comum. Este senso comum que coloca que somos servidores públicos que devem seguir as ordens superiores, na cadeia de comando que vai do MEC até a nossa sala de aula ou nosso laboratório. Este senso comum que, repleto de reuniões, cria uma sensação de democracia, de participação, mas que na prática, somente existe para confirmar e justificar o senso comum, cuja função, como de todos os aparelhos idológicos do estado, é reproduzir a cultura dominante neoliberal. As questões mais importantes são decididas fora do âmbito das reuniões que consomem boa parte das horas disponíveis dos docentes. Deste modo, vai se criando uma cultura de usar destes instrumentos - as instâncias colegiadas e dos processos eleitorais, que deveriam ser fóruns democráticos -, como mero local de tomada de decisões. Como as decisões fundamentais não são tomadas no contexto da autonomia, estas tomadas de decisões acabam por ser o local onde as relações de solidariedade entre indivíduos, baseada na troca de favores e proteção mútua, denominada pelo antropólogo Eric Wolf como amizade de panelinha, acabam por estabelecer um jogo político de cartas marcadas. É um jogo político marcado pela disputa pelos recursos escassos institucionais, pelas migalhas que sobram do banquete efetuado pelos verdadeiros tomadores de decisão, que sentam em Brasília com os lobbies políticos e financeiros e que decidem quanto será concedido para cada instituição. Como estes grupos atuam como meros instrumentos de sobrevivência em meio à escassez, não se constroem como instrumentos de transformação da realidade: pelo contrário, a reforçam e a reproduzem, defendendo os seus critérios produtivistas nas instâncias pertinentes, especialmente quando estes fortalecem suas posições na disputa pelos mesmos recursos escassos.
O segundo fantasma, que é consequência do primeiro, é o fantasma da falta de transparência. Este é o pior fantasma, porque ele se manifesta de uma forma que solapa as bases da construção de qualquer democracia: a ausência de debate. Como as assembleias são vistas como mero local de disputas de panelinhas e como instâncias de tomada de decisões, grande parte dos docentes, que deveriam ser instrumentos críticos da sociedade, exemplos para os alunos de consciência crítica e, portanto, seres humanos participando do jogo democrático, acabam comparecendo nas reuniões somente para defenderem seus interesses: ou seja, vão, votam de acordo com o seu grupo de interesse e não se manifestam. Acabam se transformando em fantasmas dentro do jogo político. Sim, porque não se expõem. Não defendem publicamente suas ideias, seus argumentos. É perigoso manifestar publicamente suas ideias, pois pode haver julgamento e exclusão do grupo que se define pelas alianças das amizades de panelinha. Basta comparecer, votar e demonstrar para os líderes do grupo sua fidelidade. Assim, o fantasma vota em grupo, mas o grupo opta por não participar do embate democrático. É pressuposto da democracia que as pessoas possam optar, entre as alternativas, de forma racional, ou seja, através do confronto de ideias e argumentos. Um democrata verdadeiro defende suas posições como deve fazer um verdadeiro cientista: sempre sabendo que sua verdade é relativa e que pode ser mudada por argumentos consistentes, sólidos, bem fundamentados. Portanto, um democrata é um ser mutante, capaz de ser convencido! No entanto, quando os grupos não expõem seus argumentos e não defendem suas ideias, a racionalidade da democracia, baseada no embate dos argumentos, no pressuposto de que as pessoas podem mudar de ideia quando avaliam os argumentos dos outros, deixa de existir, e no local desta racionalidade se coloca um espírito de corpo do grupo, que assume vitórias ou derrotas em votações de modo passional e subjetivo. Solapa-se o fundamento da democracia, pois esta não se manifesta unicamente na decisão tomada, na votação, mas acima de tudo, no processo de embate entre as ideias, na capacidade de convencimento e na admissão da mudança de posição diante de argumentos mais fortes. Se o processo não é democrático, a eleição também não é. Este fantasma, que reproduz a cultura dominante mais que qualquer outro, é o pior para ser matado, no sentido de Virginia Wolf. Ele, não apresentando seus argumentos, não se expõem, não oferece oportunidade para o debate, não almeja convencer seu oponente no campo dos argumentos, pois este é visto como um inimigo a ser derrotado, não como um colega no mesmo campo de construção da democracia na universidade. O seu único e verdadeiro compromisso não é com os objetivos de construir uma educação de qualidade, gratuita, que desenvolve um perfil de egressos baseado na construção da cidadania, da democracia e do desenvolvimento sustentável da nossa região, como consta nos nossos documentos que estabelecem, no papel, o que desejamos, mas com os objetivos de seu grupo de interesses. E assim, o exemplo que dão para os estudantes é de passividade frente à realidade: para que lutar por algo melhor? Melhor seria se juntarem para defenderem seus interesses e jogar de acordo com as regras estabelecidas pelos senhores do mundo! A lição que se dá para os estudantes é de como se constroem lobbies para defenderem seus interesses. Deste modo, este fantasma vai destruindo as bases que deveriam ser construídas pelo debate franco e respeitoso, bases estas que permitiriam que a universidade permitisse o florescimento de uma consciência crítica que permita, de fato, a construção de uma cultura democrática na instituição, que se oponha a esta cultura autocrática, reproduzida pelos grupos de interesses baseados em amizades de panelinha. Este fantasma é a cultura dominante neoliberal introjetada no inconsciente dos professores!
Este fantasma se coloca entre a universidade que temos e a que queremos: uma universidade em que, independentemente de posicionamentos, todos nos respeitemos como colegas que lutam pela mesma finalidade, onde andemos pelos corredores e cruzemos não por fantasmas, mas por colegas que conhecemos, transparentes, pessoas que respeitamos porque, através do debate e da argumentação, podem contribuir para nosso crescimento e nossa mudança. Não fantasmas, mas colegas!