Precisamos conversar sobre sistemas de alerta de cheias
Rafael Cabral Cruz
Professor Titular do Campus São Gabriel da
Universidade Federal do Pampa - Unipampa
Estamos vivendo, mais uma vez, uma cheia do rio
Vacacaí invadindo residências e causando diversos impactos à qualidade de vida
dos gabrielenses. Como choveu intensamente durante toda a noite de 29 para 30
de abril, com relâmpagos e raios, dormimos pouco, preocupados. Quando fui
trabalhar, pela manhã, vi que a enchente estava quase no asfalto do final da
rua Barão de São Gabriel e que não havia acampamento dos moradores, como sempre
acontece quando há aviso de enchente. Estranhei e fui em alguns pontos da
cidade e na ponte do rio Vacacaí, na BR-290, e verifiquei que a enchente já era
grande. Como a previsão do tempo falava em chuvas intensas até o final de
semana, fui consultar os sítios na internet da Sala de Situação da SEMA-RS, do
CEMADEN e da ANA.
O boletim da Sala de Situação da SEMA-RS
apresentava, na ocasião, o mapa apresentado na Figura 1. Observem que na bacia
dos rios Vacacaí-Vacacaí-Mirim, onde situa-se a área urbana de São Gabriel,
existe uma figura sobre a estação Camping São Sepé, situada em um afluente do
rio Vacacaí, em trecho situado a jusante da cidade, indicando atenção para
inundação e a forma de retângulo indicando estabilidade nas cotas do rio. Esta
estação apresenta leituras de cota, por isso a legenda foi colocada sobre
ela. A estação Passo das Tunas, situada
no rio Vacacaí, na divisa entre Formigueiro e Restinga Seca, somente possui
dados de precipitação ao clicar sobre ela no site.
No entanto, esta situação de estabilidade e com
nível somente de atenção não corresponde à realidade que temos em São Gabriel.
As Figuras 2 e 3 apresentam duas cenas da enchente em São Gabriel. Os leitores
poderão encontrar inúmeras outras fotos da inundação em blogs de notícias da
cidade, como o Caderno 7 (https://www.caderno7.com/) e UP TV (https://www.facebook.com/uiliannews/?locale=pt_BR).
Desta maneira, algumas perguntas devem ser
feitas.
Por que a Defesa Civil não atuou no sentido de
alertar e remover preventivamente às populações ribeirinhas?
Por que o site da Sala de Situação não emitiu
uma previsão com gravidade maior para São Gabriel e colocou no mapa legenda
somente para São Sepé e sem cotas para o trecho principal do rio Vacacaí?
As consultas efetuadas nos sítios da internet
relacionados com desastre naturais nos ajudam a entender a situação e a
refletir.
Figura 1.
Boletim da Sala de Situação da SEMA-RS.
Figura 2. Enchente
do rio Vacacaí, Vila Maria, São Gabriel. Cheia do Vacacaí. Foto de Beatriz
Stoll Moraes em 30/04/2024.
Figura 3. Enchente
do rio Vacacaí, final da rua Barão de São Gabriel, São Gabriel. Foto de Rafael
Cabral Cruz em 30/04/2024.
Por que não
tem previsão no mapa da Sala de Situação para a cidade de São Gabriel?
Simples: a estação de monitoramento que devia
estar funcionando na ponte sobre o rio Vacacaí, na BR-290, não possui dados no
período de interesse. A Figura 4 mostra a sequência de consultas para períodos
de 6 meses para a estação no sistema de telemetria da Agência Nacional de
Águas, considerando de 24/04/2020 a 30/04/2024. Observa-se que somente existem
leituras, de precipitação, para o primeiro intervalo, que teve sua última
leitura em 07/10/2020. Nenhuma leitura de cotas neste período.
Figura 4. Dados
da Estação 85470010, Sistema HIDRO-Telemetria de 27/04/2020 a 30/04/2024.
Os dados
que aparecem no mapa são do Passo do Rocha. A última leitura de cota para esta
estação é de junho de 2020. A estação Passo do Rocha está situada muito a
jusante da cidade de São Gabriel, não sendo útil para a gestão de inundações do
rio Vacacaí na cidade.
Figura 5.
Registro com os dados da estação 85480010, com registro da última leitura de
cotas.
Por fim, a Figura 6 apresenta a
disponibilidade de dados de precipitação na Sala de Situação da SEMA-RS. Dá
para verificar que na bacia dos rios Vacacaí-Vacacaí-Mirim, a única estação na
cidade de São Gabriel apresenta chuva de 0mm nas últimas 24 horas. Também, pode-se
verificar que a maioria das estações na Metade Sul do RS também estão acusando ausência
de precipitação nas últimas 24 horas.
Figura 6. Sala de Situação da SEMA-RS. Chuva nas
últimas 24 horas em mm.
Desta forma, como os modelos do sistema de
alerta levam em conta os dados de telemetria, o alerta no Boletim deste dia 30/04/2024,
matutino, embora colocasse uma situação de atenção para inundação na estação do
Passo do Rocha, uma vez que nem aparece no mapa a estação da Ponte do Rio
Vacacaí na BR-290, ela determina uma previsão de estabilidade, não de
crescimento do rio. Tal erro é visível quando confrontamos com a realidade.
Isso ocorreu por falta de manutenção e de investimentos na rede de monitoramento
telemétrica, que permite que possamos ler as cotas dos rios em tempo quase
real. Esta situação vem sendo alertada pela comunidade hidrológica das
universidades do RS e levou a uma carta de alerta às autoridades estaduais por
ocasião das tragédias no vale do Taquari ano passado.
No início da enchente esta semana, uma
estudante do curso de Gestão Ambiental, do bairro Mato Grosso, me pediu orientação para como proceder, uma vez que a Defesa Civil não havia aparecido e
a previsão de chuva era muito alta até o final da semana.
Ou seja, não existe um sistema de alerta para
evitar danos à sociedade nestes casos de desastres naturais em São Gabriel.
Muito pelo fato de que não há, e já faz algum tempo, um sistema de
monitoramento que possa subsidiar um sistema de alerta de cheias.
Escrevi rapidamente este chamado para que a
sociedade Gabrielense e Pampeana passe a considerar investimentos em
monitoramento dos rios, das chuvas e em um sistema de alerta de cheias como algo
necessário para que os danos destes eventos, que devem ser cada mais frequentes
e intensos, em função das mudanças climáticas, possam ser prevenidos e
mitigados, reduzindo os danos à sociedade.
São Gabriel, 30 de abril de 2024.
Ótima contribuição, estimado Rafael!
ResponderExcluirTua iniciativa precisa ser ampliada para avaliar para o restante da rede telemétrica do estado do RS e identificar o nível de desídia, ou omissão criminosa, dos últimos governadores do estado do Rio Grande do Sul.
E, em seguida, aplicado o mesmo método para os demais estados da federação.
Sob risco de, em seguida, constarmos mais mortes e perdas de bens desnecessárias decorrente da incapacidade e omissão criminosa de governadores e secretários de estado, principalmente aqueles que preconizam "estado mínimo" para a solução das mazelas estruturais que fazem parte da nossa triste realidade.