terça-feira, 11 de outubro de 2011

Capitalismo e Gestão Ambiental

Rafael Cabral Cruz
Uma das principais angústias dos Gestores Ambientais, em relação com a sua atuação, refere-se a dificuldade de responder a seguinte questão: é possível conciliar os objetivos da Gestão Ambiental com o capitalismo?
Para responder esta pergunta vamos procurar discutir algumas características do sistema capitalista. O capitalismo somente se viabiliza enquanto sistema através da acumulação. O objetivo do capital é o lucro e este conduz à acumulação. Se a economia não cresce, a acumulação resulta no aumento da fatia da riqueza pertencente aos donos do capital, enquanto a fatia dos que vivem unicamente de sua força de trabalho diminui. Deste modo, em uma economia de não-crescimento, o capitalismo levaria ao colapso do sistema através da total expropriação da classe trabalhadora. A única forma de evitar este colapso seria o processo de acumulação ser acompanhado do crescimento do bolo. Assim, mesmo que haja acumulação de riqueza, em termos absolutos, é possível manter a renda dos trabalhadores em níveis compatíveis com o atual, ou mesmo aumentar a renda da classe trabalhadora.
O capitalismo não pode sobreviver enquanto sistema sem crescimento econômico. Este é o problema fundamental. Ele remete a um corolário: é possível manter a estabilidade dos sistemas sócio-ambientais em uma perspectiva de crescimento ilimitado da economia (ou, é possível o capitalismo ser sustentável?)?
Sistemas complexos, como os formados pela relação sociedade-natureza, somente são estáveis e, portanto, sustentáveis, se o conjunto  de relações que configuram o estado do ambiente e da sociedade funcionam garantindo a permanência no tempo destas relações, mantendo "estoques" de valores sócio-ambientais. A dinâmica acumuladora do capitalismo não gera unicamente concentração de renda. Gera, também, concentração espacial das funções que permitem a reprodução acumuladora do capital. Deste modo, como o ditado popular que diz que dinheiro atraí dinheiro, atrai também trabalhadores, empreendimentos, aumentando o grau de concentração de tudo isto em pequenas áreas do Planeta, resultando em grandes megalópoles, onde se vive em uma escalada de consumo e de giro de mercadorias que deve ser cada vez mais veloz para garantir a taxa de acumulação. Este fenômeno, que caracteriza a sociedade moderna líquida, no sentido de Zygmund Bauman, faz parte do mecanismo de retroalimentação positiva do próprio capitalismo. Do ponto de vista ambiental, quanto maior a concentração espacial da população, maior a separação das funções de produção, consumo e decomposição do ecossistema total humano. Tal fenômeno exige um grande consumo de energia fóssil para viabilizar esta separação de funções no espaço. A sociedade líquida é, também, a sociedade do transporte. Ramón Margalef, grande ecólogo catalão, na sua obra Ecología, já em 1977 chamava atenção de que a taxa instantânea de crescimento do consumo de energia per capita, somado à taxa instantânea de crescimento populacional, deveria ser zero para que fosse possível a sustentabilidade. Para a soma ser zero, ou as duas taxas são nulas, ou uma é positiva e a outra negativa na mesma proporção. Margalef discutiu que se este objetivo não fosse alcançado através da razão, seria alcançado pelas catástrofes ambientais e pelas guerras. Existe, portanto, também uma dimensão demográfica do processo de acumulação. O capitalismo necessita de taxas positivas de crescimento populacional para que o crescimento da economia seja viabilizado. O crescimento da economia precisa de aumento do número de consumidores. Deste modo, necessita, também, de mais recursos naturais para esta população maior. O processo de acumulação exige crescimento da economia, que, por sua vez, exige aumento da população, cada vez mais concentrada no espaço, consumindo uma quantidade cada vez maior de recursos naturais.
Aqui paramos para fazer a última pergunta que deriva da primeira: existem recursos naturais para um crescimento ilimitado da economia, necessário para manter a estabilidade do sistema capitalista?
Desde a década de 1970, com os estudos que antecederam a Conferência de Estocolmo, é crescente a consciência de que os recursos naturais são limitados. O Planeta é um só. O estoque de água no Planeta é o mesmo a cerca de 4 bilhões de anos, no entanto, com a degradação dos mesmos, a parcela utilizável do mesmo é cada vez menor. Os recursos minerais, em especial as fontes de energia fóssil, não se formam em velocidade compatível com a sua taxa de utilização, uma vez que os estoques necessitaram de tempos na escala geológica para se formarem, em períodos muito maiores que a própria existência da espécie humana. Não são recicláveis no tempo histórico. Assim, existem limites objetivos para o crescimento da economia. Quando o sistema capitalista crescer a tal ponto que estes limites sejam alcançados, este entrará em colapso, pois não haverá meios para continuar crescendo e, sem crescimento, o processo de acumulação causará a crise social e a derrocada do sistema, em especial através dos mecanismos anunciados por Margalef (catástrofes ambientais e guerras).
Em conclusão, a idéia de sustentabilidade, voltada para a preservação da disponibilidade de recursos, em forma justa e equitativa intra e intergeracional, é incompatível com o sistema capitalista. Este somente é estável enquanto tiver sua dinâmica dentro dos limites de disponibilidade de recursos naturais. No entanto, cada vez mais aparecem evidências de que estes limites estão próximos.
Uma pergunta ainda se impõe: até que ponto é racional, portanto, crescer?
Marilena Chauí, no seu Convite à Filosofia, enuncia os dois critérios da razão: 1) a coerência interna dos pressupostos e enunciados e 2) a melhoria da qualidade de vida da humanidade. A utilização do primeiro critério nos demonstra que o sistema capitalista é irracional, pois a premissa de que é possível crescer indefinidamente a economia não se sustenta com os limites objetivos dos recursos naturais. A utilização do segundo critério demonstra que somente é possível crescer dentro dos limites dos recursos naturais se for para  melhorar a qualidade de vida da humanidade. Isto somente é possível quando a economia está longe dos limites. E, mesmo assim, somente se justifica para melhorar a qualidade de vida dos menos favorecidos. Quando a economia se aproxima dos limites, as taxas de crescimento tendem a cair, forçando o processo de acumulação a aprofundar o abismo entre os mais ricos e os mais pobres. Em suma, o capitalismo não é racional. O desafio, agora, é pensar uma forma de administrar uma economia que não tenha por pressuposto a acumulação e, enquanto isto, gerenciar o conflito entre o capitalismo e a sustentabilidade, buscando negociações que evitem a aceleração da dinâmica de acumulação, dando uma sobrevida ao sistema, evitando a deriva para um colapso destrutivo (barbárie).

Um comentário:

  1. Uma solução mais imediata passaria pela utilização de recursos renováveis e tecnologias limpas....Mas até que ponto, estes dois fatores contribuem e as dificuldades em implementa-los dependem de condições regionais específicas...

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