quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A QUESTÃO AMBIENTAL E A AMÁLGAMA DISCIPLINAR NA PROPOSTA DE SABER AMBIENTAL DE ENRIQUE LEFF-.

Jefferson Marçal da Rocha

Resumo:

Este artigo é baseado no livro Saber Ambiental de Enrique Leff, uma obra que propõe um entrelaçamento disciplinar urgente na busca de novas alternativas para o relacionamento entre a civilização e os recursos ambientais, já que não há mais como conciliar o modo de produção e consumo atuais com o que restou dos recursos naturais do planeta.

Palavras-Chave: Sustentabilidade, Racionalidade, Meio Ambiente

1- Introdução:
O mexicano Enrique Leff, um conhecido intelectual imbuído na questão ambiental, traz em Saber Ambiental-Sustentabilidade, Racionalidade, Complexidade, Poder uma síntese de seus últimos escritos, todos seguindo os preceitos do que se convencionou chamar de ecologia social.Quem já conhece a obra de Leff verá uma compilação de idéias e análises não totalmente inéditas no autor, mas nem por isso menos vibrante. São 23 artigos, todos revisões de trabalhos anteriores (como consta na nota de rodapé da primeira página de cada um deles), e que foram apresentados por Leff em seminários, conferencias, encontros, debates, etc, nos últimos 10 anos.
Na obra Leff se mostra um excepcional “catador” de palavras capazes de emprenharem-se não só na consciência como na “alma” do leitor.E o objetivo parece ser esse mesmo, cativar novos agentes na causa ambiental. É um poeta sem estrofe demonstrado já no prefácio: “Este livro não aspira integrar um sistema de conhecimentos acabados sobre o meio ambiente.Trata-se tão-somente do germe de um saber em construção. Seus capítulos “são fragmentos de um discurso amoroso.” (Leff,2001,p. 13). É enfim, um clamor por uma interdisciplinaridade conciliatória.
Segue uma síntese crítica de cada um dos textos do livro.

2- Globalização, Ambiente e Sustentabilidade do Desenvolvimento

Leff faz uma reflexão da racionalidade econômica cartesiana que se converteu no princípio constitutivo que predominou no paradigma que organizou a vida no ocidente e que legitimou uma falsa idéia de progresso.Faz uma retomada do discurso da sustentabilidade que se legitima nos anos 60, com o livro A Primavera Silenciosa de Rachel Carson, e se expandiu após Conferência da ONU em Estocolmo em 1972.Critica apropriação do discurso de sustentabilidade, pelo crescimento sustentável defendido no Informe Bruntland, sem que houvesse uma justificativa convincente de como o sistema econômico irá internalizar as condições ecológicas e sociais no mesmo paradigma capitalistas liberal do último século. Leff também acusa à vulgarização da noção de sustentabilidade que para ele não deixa de defender a perspectiva de se conseguir um crescimento sustentado baseado no mecanismo de livre mercado.Uma utopia perigosa para a preservação dos recursos naturais do planeta. Por fim, prega a construção de uma nova racionalidade produtiva fundada não só no potencial ecológico proposto por Georgescu-Roegen , mas em novos sentidos de civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano. Propõe uma re-apropriação da natureza e de uma reinvenção do mundo, baseada em estratégias endógenas de auto-administração do patrimônio dos recursos naturais e culturais de cada comunidade.

3- Divida Financeira, Dívida Ecológica, Dívida Da Razão
Neste texto não há meias palavras, Leff acusa os países do denominado primeiro mundo pela opressão aos países pobres. Acusa a divida financeira de ser parte de um jogo em que os perdedores, os paises pobres, foram colocados como devedores permanentes de dividas impagável. A divida dos países pobres funciona, neste sentido, como um mecanismo de consolidação à dependência moral dos “pobres” perante os “ricos”.Uma teia emaranhada nas entranhas da sociedade terceira mundista, que não a deixa livrar-se dos ditames de um longo e perverso colonialismo.
Acusa também a pilhagem ecológica sofrida pela meio ambiente dos países pobres. Esta pilhagem se dá pela divida invisível do hiper-consumo do Norte, pela super-exploração ecológica dos recursos naturais dos países do sul, que alimentou e alimenta em grande parte, o desenvolvimento industrial dos países ricos nos últimos 200 anos, e por último se manifesta diretamente pela apropriação da biodiversidade das florestas dos países do terceiro mundo, através de políticas subversivas de controle biológico e econômico da última riqueza das florestas tropicais do sul, a sua “sagrada” diversidade de plantas e animais.
Por ultimo acusa a dívida da razão como sendo um movimento que legou o conhecimento científico, o pensamento crítico, a liberdade e a democracia cegando o mundo em prol de uma modernidade homogeneizante, unipolar que dita as normas do comércio, do intercâmbio, da justiça e da eqüidade. O credor desta última dívida, não são só os pobres dos países pilhados, mas todos os pobres do mundo, que para escaparem desta armadilha querem cortar o cordão umbilical da dependência e da opressão. Querem enfim, desvincular-se da globalização opressiva e fundar um novo enlaçamento entre os povos e seu habitat.

4-Economia Ecológica e Ecologia Produtiva.
Parte-se de uma constatação: a economia fundada nos princípios da mecânica tornou-se incapaz de apreender as “externalidades” causadas pelo processo produtivo capitalista. Urge-se então, que se reconstrua uma nova base produtiva. Nisso a proposta da a economia ecológica, baseada na bioeconomia de Georgescu-Roegen (1971), tenta sujeitar o intercâmbio econômico às condições do metabolismo geral da natureza. Para Leff as políticas ambientais baseadas nesta teoria, continuam sendo subsidiadas pela política neoliberais. A economia ecológica não cortou o cordão umbilical que a prende à economia neoclássica e vê o meio ambiente ainda como um custo e não como um potencial. A critica, neste sentido, é que a teoria econômica não conta com meios objetivos para medir as equivalências para o intercâmbio de valores de uso. Os preços de mercado são falsos sinais da escassez de recursos e do potencial da natureza.

5 – Democracia Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.
Neste texto, a questão ambiental deixa apenas de ser uma procura para dar bases ecológicas aos processos produtivos, ou uma busca de inovações para reciclar os rejeitos contaminantes, nem mesmo só a incorporação de normas ecológicas aos agentes econômicos, ou da valorização do patrimônio de natural e cultural do local. Não se trata apenas de responder à necessidade de preservar a diversidade biológica para manter o equilíbrio ecológico do planeta. A questão ambiental passa também, pela valorização da diversidade étnica e cultural da espécie humana, pela fomentação da valorização de diferentes formas de manejo produtivo da biodiversidade. O desenvolvimento sustentável, neste sentido, deve ser um projeto social e político que aponta para o ordenamento ecológico e a descentralização territorial da produção.

6– A Reprodução Social da Natureza.

Neste texto o princípio é que não há na economia mecanismo capaz de calcular o valor real da natureza.A economia está desprovida de teorias capazes de contabilizar de maneira racional, objetiva e quantitativa os custos ambientais e o valor dos recursos naturais. Neste caso só poderá ser a racionalidade advinda de uma economia política que poderá vir à compreensão dos processos extra-econômicos, tanto ecológicos como políticos que envolvem a degradação ambiental do planeta. Leff considera que movimentos sociais que sugerem novos mecanismos para internalizar os custos ecológicos, levando-os ao seu justo valor, possuem uma formulação sugestiva, mas limitada, pois a legitimação e força destes valores ambientalistas dependem da formação de consciência coletiva, da constituição de novos atores sociais e da condução de ações políticas através de estratégias democráticas. Esta proposta torna-se, em democracias imperfeitas, onde a consciência ambiental é pervertida pelas formas de simulação, cooptação e controle dos poderes dominantes, uma falácia. O empowerment das pessoas como proposta de distribuir o poder, ainda são formulações voluntaristas e vagas que não permite compreender nem orientar os movimentos sociais de justiça ambiental e nem incorporar princípios de eqüidade às condições de sustentabilidade socioambiental e socioeconômica.

7- Ética Ambiental e Direitos Culturais
O processo de desenvolvimento capitalista fundado na racionalidade econômica e no direito privado gerou uma corrida desenfreada das forças produtivas na busca pela lucratividade. Ignorou-se com isso, as condições ecológicas de sustentabilidade da vida no planeta.Em outras palavras, a racionalidade capitalista se construiu em torno de uma doutrina econômica que aspira a uma cientificidade fundada numa racionalidade formal e em sua eficácia técnica cada vez mais afastada da subjetividade e dos valores dos bens naturais, o que levou á superexploração de recursos e ao desequilíbrio dos ecossistemas. A ética ambiental, sugerida por Leff, reivindica os valores do humanismo, como a integridade humana, o sentido da vida, a solidariedade social, o re-encantamento da vida e a erotização do mundo. E esta, só poderá estar vinculada a conservação da diversidade biológica do planeta e ao respeito à heterogeneidade étnica e cultural da espécie humana. Estes princípios, enfim se conjugam no objetivo de preservar os recursos naturais e envolver as comunidades na gestão de seu ambiente.Ou em outras palavras seria a endogenização da gestão dos recursos naturais de cada local.

8- Ambiente e Movimentos Sociais
A percepção da problemática ambiental não é homogenia. As propostas para sua solução também não. Enquanto a perspectiva dos países do Norte (ricos) é de encontrar formas de remediar os efeitos contaminantes, promovendo alternativas técnicas a partir de umas distribuições mais eqüitativas em nível internacionais, porém sujeitas à racionalidade do livre mercado. A perspectiva dos países do Sul (pobres) parte de uma ênfase social, política e institucional de rever-se o aproveitamento dos seus recursos e de seu potencial produtivo, com o objetivo, além da preservação ambiental de satisfação das necessidades básicas de suas população. A perspectiva ambiental, neste sentido, enriquece as categorias tradicionais de análise dos processos de desenvolvimento econômico e social. O desenvolvimento sustentável passa, além de depender da produtividade do capital, do trabalho e do progresso científico-tecnológico de diferentes regiões, a incorporar os valores culturais e sociais de suas populações. Nesse sentido, as relações sociais de produção seriam entrelaçadas numa trama ecológica que sustenta um sistema de recursos naturais e condiciona suas formas de reprodução e aproveitamento.São como se vê, duas propostas inconciliáveis, sem que haja uma ruptura profunda nas relações de dominação e submissão que hoje perpassa as relações internacionais. E isso, a maioria dos movimentos ambientais ainda não incorporaram nas suas políticas de reivindicação e/ou ação.

9 – Cidadania, Globalização e Pós-Modernidade
Leff se mostra um otimista com a participação cidadã para reverter o quadro catastrófico imposto pela pós-modernidade. Cita vários exemplos mexicanos que demonstraram sinais de novas relações de poder e ação, como o do Subcomandante Marco que com as armas da pós-modernidade cibernética, conseguiu subverter o poder vertical do Estado mexicano, lançando ao mundo os comunicados do “durito” pela Internet, exemplos como o protesto contra a contaminação da empresa estatal mexicana- Pemex- responsável pela exploração dos hidrocarbonetos e seus derivados, como o movimento do Exército Zapatista de Libertação Nacional que foi reconhecido como uma força política com direito de participar na reforma do Estado. Isso mostra que na pós-modernidade a cidadania reclama seu direito de participação frente à política neoliberal. É um clamor silencioso pela direito de participar nos processo de produção e abastecimento de serviços básicos, assim como na tomada de decisões que afetam as condições de qualidade de vida. Diante do cerco impenetrável da razão econômica, a consciência cidadã busca novos sentidos civilizatórios, de novos valores para preencher vazios de subjetividade e de ação social; de pensar o inédito, a alternativa; de construir uma cultura política da diferença e de conceber a diversidade como um potencial. A cidadania surge como uma reação contra a ordem estabelecida, mas sem uma clara condução estratégia de suas ações. Ela avança numa viagem invernal, onde os ventos com força de furacão fazem girar cata-ventos sem direção, onde a neve sepulta a pegada deixada no caminho. Como viajantes sem rumo, que fazem o caminho a andar sobre rotas minadas de sinais enganosos e confusos. A cidadania abre caminho impulsionado por um desejo de vida, entre o sortilégio dos sentidos e os contra-sentidos causados pela perversão do poder no saber. A tecnologia, que serve como meio de dominação do homem e exploração da natureza, pode servir também como instrumentos de luta em defesa dos diretos humanos ao se enlaçarem ao movimento solidário internacional. Assim, se configuram novos atores sociais, e novas estratégias de poder da cidadania que forjam uma oposição à modernidade numa luta pela democracia, pela sustentabilidade e pela justiça social.

10 – O Conceito de Racionalidade Ambiental

A proposta do texto é introduzir reformas democráticas no Estado, a fim de que se possa incorporar normas ecológicas ao processo econômico e com isso criar novas técnicas para controlar os efeitos dominantes, dissolvendo assim as externalidades socioambientais geradas pela lógica do capital.Neste sentido o discurso ambientalista de Leff se orienta para re-funcionalizar a ordem econômica dominante, mediante a incorporação de normas ecológicas e a aplicação de novos instrumentos econômicos. Essa racionalidade ambiental integra os princípios éticos, as bases materiais, os instrumentos técnicos e jurídicos e as ações orientadas para a gestão democrática e sustentável do desenvolvimento.

11 – A Formação do Saber Ambiental
A complexidade que envolve a problemática ambiental questiona a fragmentação e a compartimentalização do conhecimento disciplinar, que se tornou incapaz de explica-la e resolvê-la. A tentativa de retotalização do saber surgida com a problemática ambiental terá que ir além da soma e da articulação dos paradigmas existentes. Implica a transformação de seus conhecimentos para internalizar o saber ambiental emergente. A ciências sociais, que formaram o cerco mais resistente à incorporação do saber ambiental, se viram repentinamente, diante da emergência de novos saberes, com novas frentes para o desenvolvimento teórico e a aplicação de suas disciplinas, saberes que requerem novos olhares com relação a : cultura e natureza, a complementariedade entre geografia e ecologia, as bases ecológicas de uma economia sustentável e a análise da dinâmica de sistemas socioambientais complexos.Leff conclama as estratégias acadêmicas, as políticas educativas e os métodos pedagógicos à produção de conhecimentos científico-tecnológicos que formem capacidades orientadas para novos processos de apropriação da natureza e práticas de desenvolvimento sustentável.

12 – Sociologia do Conhecimento e Racionalidade Ambiental
A transformação do conhecimento a partir do princípio de racionalidade ambiental é um processo que se defronta com as barreiras teóricas de cada disciplina e com a rigidez institucional das esferas que funcionam os saberes legitimados, em especial as universidades. É então preciso reorientar as ciências para resoluções de problemas concretos. A sociologia ambiental do conhecimento, proposta por Leff, estuda a transformação das ciências ao serem problematizadas pelo saber ambiental, incluindo também toda uma gama de saberes práticos sintonizados com os princípios e objetivos, com os valores e os meios instrumentais da racionalidade ambiental.Os princípios da racionalidade ambiental constituem um metaparadigma, no sentido de que permitem avaliar o caráter ambiental dos paradigmas emergentes de conhecimento, das organizações sociais e produtivas e de diferentes ações políticas e comportamentos sociais.

13- Matematização do Conhecimento e Saber Ambiental
Nos paradigmas das ciências da matemática, o que escapou do matematizável foi ignorado. Com isso as teorias marginalistas utilizadas pela economia e pela sociologia neoclássica foram despencando diante do “não quantificável”, do “incomensurável” da sociedade atual, eram as chamadas “externalidades”. Essas externalidades cada vez mais substantivas, como a valorização do ser humano, da natureza, da perda da diversidade e a destruição das bases dos recursos naturais, os desmatamentos e a erosão dos solos, a degradação do ambiente e da vida, mesmo que cada vez mais presentes, ficaram de fora dos modelos matemáticos. Porém o entendimento racional da realidade atual, não dispensa o valor e a utilidade das matemáticas, pelo contrário, a construção do saber ambiental aparece como uma estratégia teórica oposta ao projeto unificador da ciência normal. As aplicações das ferramentas da matemática à problemática ambiental vêm sendo multiplicadas com a crescente globalização dos efeitos ambientais, do crescimento econômico e do desenvolvimento da tecnologia. Surgiram novas técnicas de diagnósticos e monitoramento, desde a aplicação dos sensores remotos para a avaliação dos recursos naturais, até os sistemas de informação geográfica. Estas técnicas permitem projetar tendências e fazer prognósticos sobre as mudanças ambientais a nível global, e assim se poderá entender os efeitos das decisões sobre o uso dos recursos e a aplicação de modelos tecnológicos em sua vulnerabilidade, estabilidade e desestabilidade dos ecossistemas e dos sociossistemas.

14- O Inconsciente In(Ter)Disciplinar
Os complexos problemas da contemporaneidade tecnológica, econômica, social e ambiental obrigou o surgimento de projetos interdisciplinares. Estes projetos têm o propósito de reorientar a formação profissional, através de um pensamento capaz de apreender a unidade da realidade. A interdisciplinaridade busca construir uma realidade multifacetária, porém homogênea, cujas perspectivas são o reflexo das luzes que sobre ela projetam os diferentes enfoques disciplinares. O conhecimento global ao qual aspira se conforma em convergências de um conjunto de visões parciais que se integram organicamente como um código de objetos-sinais do saber. Porém há de se ressaltar, que a totalidade holística, que os métodos interdisciplinares buscam, difere da totalidade característica do pensamento simbólico, assim como do corpo integrado de conceitos onde os discursos científicos deduzem seu sentido próprio, constitutivo de seus objetos de conhecimento e de estruturas teóricas indissociais em partes, em variáveis, em fatores, em dimensões.Por fim, a interdisciplinaridade é uma prática dos conhecimentos das ciências e sobre a integração de um conjunto de saberes não científicos. Sua eficácia provém da especificidade de cada campo disciplinar.

15-Psicanálise e Saber Ambiental
Segundo Leff a psicologia vem se ambiantalizando ao buscar analisar as formas como as condições ambientais afetam as capacidades cognitivas, os comportamentos sociais e os impactos na saúde mental.O emergente campo da psicologia ambiental contribui para a análise das percepções e interpretações das pessoas sobre seu meio ambiente.O saber ambiental colocado na órbita da construção social os interesses e utopias que mobilizam o conhecimento humano. A psicanálise a partir de seus enfoques tangenciais desconstroem as certezas da modernidade, e assim, juntamente com saber ambiental, abrem novos horizontes para a vida e sua história.

16 – Universidade, Interdisciplinaridade e Formação Ambiental
O sistema capitalista norteia de um modo geral a pesquisa científica, a inovação tecnológica e a formação profissional, obedecendo à demanda explicita do mercado e do aparelho produtivo consolidado; com isso desestimula a produção de conhecimentos e as capacidades de se construir uma racionalidade ambiental baseada em princípios e valores fundados na articulação do potencial ambiental de cada região.A reorientação da pesquisa, e a re-elaboração dos conteúdos curriculares e dos métodos pedagógicos, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, implicam a construção de um saber ambiental e sua internalização nos paradigmas científicos e nas práticas docentes que prevalecem. A formação ambiental se projeta assim na contra corrente das demandas e interesses da vida acadêmica das universidades e da racionalidade econômica dominante.O papel das universidades nesse sentido passa a ser retomar os saberes autóctones e populares, captando os problemas a partir das bases e desenvolvendo um saber elaborado para aplicação em programas e projetos de gestão ambiental.

17- Conhecimento e Educação Ambiental

Neste texto Leff faz uma crítica dura ao desvirtuamento que a chamada globalização está transformando os princípios da Educação Ambiental, que pela Conferência de Tbilisi deveria ser concebido como um processo de construção de um saber interdisciplinar e de novos métodos holísticos para analisar a complexidade socioambiental. Ao invés de ser trivializada e simplificada, reduzindo-se a ações discutíveis de conscientização dos cidadãos e à inserção de componentes de capacitação dentro de projetos de gestão ambiental orientados por critérios de rentabilidade econômica. Um novo diálogo entre ciência e saber, entre tradição e modernidade precisa ser construído, implicando um processo de hibridação cultural, onde se valorizem prncipalmente os conhecimentos indígenas e os saberes populares produzidos por diferentes culturas.

18 – Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável
A crise contemporânea se caracteriza pela complexidade e a necessidade de renovação de pontos fundamentais que sustentaram a sociedade ocidental até hoje: a) O crescimento econômico; b) fragmentação do conhecimento e c)o poder do Estado e do mercado. Estes três pontos exigem novos paradigmas de conhecimento. Levando estes dilemas em conta a Educação Ambiental se funda em uma nova ética que oriente os valores e comportamentos sociais e uma nova concepção de mundo que leve a um novo saber e a uma reconstituição do conhecimento.Para isso a Educação Ambiental terá que avançar na construção de novos objetos interdisciplinares de estudo, através do questionamento dos paradigmas dominantes, da formação de professores e da incorporação do saber ambiental emergente em novos programas curriculares.

19- A Pedagogia do Ambiente
Assim como desenvolvimento sustentável a Educação Ambiental também sobre várias interpretações sob diferentes visões de como se alcançar a sustentabilidade.Assim como a educação popular, a educação ambiental popular inscreve-se na tradição da educação crítica do modelo de desenvolvimento dominante, orientado a construção de uma nova racionalidade social.A pedagogia ambiental, proposta por Leff, deve se orientar no pensamento da complexidade que seja crítico, participativo e propositivo.O saber interdisciplinar implica não só na fusão e integração dos conhecimentos provenientes de diferentes ciências, mas na reformulação de seus paradigmas de conhecimento a partir dos problemas sociambientais concretos que se apresentam à competência dos novos profissionais.
20 – Cultura, Epistemologia Política e Apropriação do Saber
Novos paradigmas passam a revisar os fundamentos teóricos das etnociências. A busca é por ações práticas que finquem a cultura em suas raízes naturais. Esta busca de fundamentação do saber coloca por sua vez a possibilidade de se construir novos projetos de civilização, novas estratégias de etnoecodesenvolvimento a partir dos valores e saberes das comunidades rurais e de sua mestiçagem com as ciências e tecnologias modernas, num processo de inovação de práticas de aproveitamento sustentável dos recursos naturais.Para isso é necessário rever a relação de dominação, sujeição e desconhecimento dos saberes tradicionais pela monocultura modernizadora, e assim libertar os saberes subjugados que não foram formalizados em códigos científicos, mas que se apresentam como reais, e se tornam fundamentais na amálgama desses novos conhecimentos.

21 – Habitat/Habitar
A crise ambiental, entre outras questões, passou a revisar as condições de habitabilidade dos espaços do planeta. Nesse processo foi construído o conceito de ambiente como uma visão das relações complexas e sinergéticas geradas pela articulação dos processos de ordem física, biológica, termodinâmica, econômica, política e cultura. Esse conceito vem ressignificar o sentido de habitat como suporte ecológico e do habitar como forma de inscrição da cultura no espaço geográfico.O habitat passa a ser o lugar em que se constrói e se define a territorialidade de uma cultura, onde se constituem os sujeitos sociais que projetam o espaço geográfico apropriando-se dele, habitando-o com seus gostos e prazeres. O habitat é o espaço em que se forja a cultura, se simboliza a natureza e se constroem os cenários do culto religioso. É o livro onde se escrevem os sinais da história, onde se imprimem as marcas do poder das civilizações, a geografia que submerge nos sulcos e estrias da terra os sinais da fome.

22 - Demografia e Ambiente
Para Leff a demografia é a ciência social que menos preocupação tem demonstrado em incorporar a complexibilidade do saber ambiental. Ela ainda vê a crise ambiental como um problema de desajuste entre uma crescente população humana e os recursos limitados do planeta. Assim, a demografia tem desempenhado um papel passivo na compreensão da causalidade múltipla, da polivalência e das complexas retroações entre dinâmicas populacionais e processos ambientais.A dinâmica socioambiental requer que se defina o campo epistêmico e conceitual de uma demografia ambiental, através das relações teóricas de diferentes disciplinas e de problemáticas cotejadas sobre a relação população, ambiente e desenvolvimento.

23 – Tecnologia, Vida e Saúde

O tema ambiental questiona as práticas médicas e a nossa relação com o corpo e com a vida.Isso não só pelo aparecimento de novas doenças, como também pelo agravamento de outras por efeito da contaminação ambiental. A degradação ambiental está diretamente associada à deterioração das condições sociais nas quais se produzem e propagam as novas epidemias e doenças de pobreza que estavam praticamente erradicadas.A condição social que afetam a gênese e a solução das doenças está piorando, justamente no momento em que a medicina segue uma orientação curadora e que as políticas neoliberais tendem a mercantilizar tudo, inclusive o corpo e as práticas médicas, ao sujeita-las à lógica da produtividade e do lucro econômico. Para reverter este quadro é preciso que se objetive os princípios da Agenda 21 e se situe o ser humano no centro das preocupações relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Para isso se requer um programa de formação de recursos humanos com novas orientações para capacitar o pessoal dos serviços de saúde.

24 – Qualidade de Vida e Racionalidade Ambiental

Pela declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro em 1992, o desenvolvimento sustentável tem como fim último o pleno desenvolvimento das capacidades efetivas e intelectuais de todo ser humano. Assim, qualidade de vida passa ser o centro de todo e qualquer objetivo das políticas de desenvolvimento sustentável, mesmo considerando que o discurso de sustentabilidade admite várias interpretações, que dependem de diferentes interesses e estratégias.Enquanto as políticas neoliberais estão levando a capitalizar a natureza, a ética e a cultura, por outro lado, os princípios da racionalidade ambiental estão gerando novos projetos sociais, fundados na reapropriação da natureza,na ressignificação das identidades individuais e coletivas e na renovação dos valores do humanismo. Para isso têm-se que abandonar o conceito de qualidade de vida baseada no consumismo materialista de supérfluos, que acaba desviando a atenção das necessidades básicas que deveriam ser promovidas pelas políticas do bem-estar do Estado para satisfazer as necessidades de caráter mais qualitativo. Leff prega uma qualidade de vida estabelecida através de um processo de reapropriação das condições do viver da população em relação as suas necessidade e seus valores subjetivos. Os valores culturais passariam a intervir como mediadores na busca destas necessidades. Assim a qualidade de vida se converteria no valor fundamental que orientaria o desenvolvimento de cada comunidade e o projeto de vida de cada pessoa.

24- Conclusão
Segundo o próprio Leff os textos de Saber ambiental “...revelam um saber pessoal, forjado na minha relação com um mundo em reconstrução, que anuncia a transição de uma modernidade saturada e uma pós-modernidade” que começa a desabrochar, sem saber ainda definir-se e decifrar-se”( Leff, 2001,p.13).Mostra-se, ao mesmo tempo, um intelectual indignado com o destino do ambiente natural da terra, e com maiores culpados deste destino, os países ricos, e um militante feroz na busca por uma nova racionalidade econômica, social, política,cultural e ambiental que para ele deverá implicar novos princípios de valorização da natureza, novas estratégias de re-apropriação dos processo produtivos e de novos sentidos que mobilizem e reorganizem a sociedade. E, para isso, defende com paixão uma reaproximação do conhecimento científico com os conhecimentos autóctones dos indígenas e das comunidades rurais dos países pobres.
Vale ainda um último comentário: o professor Enrique Leff mostrou em Saber Ambiental que a palavra é uma das formas mais vibrantes de se defender idéias e posições. Sem deixar a ternura e a paixão, Leff se mostrar um revolucionário. Enfim, um mestre na arte da escrita.

Bilbiografia:
LEFF, Enrique. Saber Ambiental- Sustentabilidade, Racionalidade, Complexidade, Poder. Petróplis-RJ: Vozes/ PNUMA, 2001, 343 p.

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