segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Dissonância Cognitiva e Gestão Ambiental


Rafael Cabral Cruz
Um aspecto importante da Gestão Ambiental envolve a definição do espaço conceitual onde as ferramentas disponíveis para uma negociação dos conflitos pelo uso de recursos sócio-ambientais são efetivas, ou seja, podem ser aplicadas. Isto pressupõe dois limites conceituais.
O primeiro limite é conhecido e claramente definido pelos economistas: somente existe conflito pelo uso de recursos se existe escassez.
Por outro lado, o ser humano somente busca a solução racional de problemas após os mesmos serem apropriados pela nossa percepção. Nem sempre a conexão entre determinados comportamentos da sociedade ou de indivíduos com a degradação da qualidade ambiental é percebida pelas pessoas. Neste caso, embora os problemas sejam sentidos, não existe um espaço efetivo para a negociação dos conflitos que os determinam. Deste modo, a simples percepção de um problema não garante a possibilidade de gestão. O objeto da Gestão Ambiental é o conflito pelo uso de recursos sócio-ambientais, o que pressupõe a existência de seres humanos que estão envolvidos em interesses conflitantes. Quando os seres humanos em conflito são identificados, seus interesses claramente conhecidos, torna-se possível a gestão dos conflitos. Para isto, um pressuposto é o império da razão na condução do processo de negociação dos conflitos. Quando, por algum motivo, as pessoas não abrem espaço para pensarem e negociarem, a negociação não ocorre e os problemas se aprofundam, podendo levar os sistemas afetados pelas consequências dos conflitos à perda de sua estabilidade e, no extremo, ao colapso do sistema.
James Howard Kunstler neste extrato do documentário do The History Channel: The Prophets of the Doom, propõe a utilização do conceito de dissonância cognitiva para explicar como a sociedade pode ignorar os sinais que o sistema sócio-ambiental envia quando sua estabilidade está sendo perdida em consequência de um determinado regime de perturbações.
Quando as pessoas ou grupos sociais bloqueiam os problemas para poderem conviver com um perigo que pode romper com a capacidade de controle psicossocial, este bloqueio impede que o processo de negociação, construído sobre bases racionais possa ser implementado, estabelecendo um outro limite para o espaço conceitual da Gestão Ambiental. Pode-se dizer que este espaço inicia com a percepção da escassez e da conexão da mesma com problemas sócio-ambientais e termina quando a energia do conflito leva a sociedade à beira do pânico e cria mecanismos para dissociar os mesmos dos riscos associados.
No entanto, não é somente o pânico, como no exemplo do documentário, extraído do livro Colapso de Jared Diamond, que pode resultar em comportamentos dissociados do conhecimento.  Zygmunt Bauman, na sua obra Vida Líquida, manifesta que "a remoção do lixo é um dos dois desafios principais que a vida líquida precisa enfrentar e resolver. O outro é a ameaça de ser jogado no lixo. Em um mundo repleto de consumidores e produtos, a vida flutua desconfortavelmente entre os prazeres do consumo e os horrores da pilha de lixo". A liquidez da sociedade de consumo torna difusos os limites entre consumidor e produto. E o medo de ir para o lixo, de ser considerado obsoleto, impele, em uma velocidade cada vez maior, as pessoas na busca da novidade, tão rápido que a reflexão e a apropriação racional da realidade e, portanto das condições para a negociação racional de conflitos, não sejam aplicáveis. "A desatenção à vida em comum impede a possibilidade de renegociar as condições que tornam líquida a vida individual. O sucesso da busca da felicidade, propósito declarado e motivo supremo da vida individual, continua a ser desafiado pela própria forma de obtê-la (a única forma pela qual ela pode ser buscada no ambiente líquido-moderno). A infelicidade resultante justifica e revigora a política de vida autocentrada. Seu produto final é a perpetuação da liquidez da existência. A sociedade líquido-moderna e a vida líquida estão trancadas num verdadeiro moto-contínuo". Bauman, através desta reflexão, nos mostra como existe um processo de retro-alimentação positiva na dinâmica da sociedade de consumo, que realimenta o distanciamento à vida em comum e, em consequência, do interesse na solução dos problemas sócio-ambientais reais. A isto se soma a perda de territorialidade representada pela crescente virtualização da sociedade líquida. Cada vez mais as pessoas perdem os vínculos com o lugar. O sentimento de pertencer a algum lugar, tão forte nas sociedades tradicionais, bem como a associação deste sentimento à própria identidade, está sendo perdida em meio a uma crescente virtualização da vida das pessoas. Um gaúcho sente-se vinculado a sua querência. Um índígena, à sua aldeia. Um navegante da WEB vincula-se a um território virtual, um endereço da mesma onde encontra seus amigos virtuais, às vezes dos cinco continentes. A identidade é de tribos urbanas, gostos musicais, interesse por arte, esporte, etc. Apesar do cidadão virtual construir lutas e manifestações virtuais e ser capaz de ser solidário "à distância", cada vez mais se torna distante da sua vizinhança. Com a diminuição da sua ligação com o lugar vem a alienação dos problemas locais. Muitas vezes vemos as pessoas sentirem-se solidárias com tragédias no outro lado do Planeta, enquanto não tem nenhuma preocupação com os problemas da sua vizinhança.
Esta pessoa, virtualizada, consumidora e objeto de consumo, que, no desespero de não se tornar solitária, busca cada vez mais o espaço virtual e, em consequência afunda-se cada vez mais na solidão. Ao invés de se conectarem face-a face, toque-a-toque, investem mais tempo em redes sociais virtuais, aumentando suas carências afetivas e se distanciando cada vez mais do lugar. Este processo, ao se aprofundar, também inviabiliza o processo de Gestão Ambiental, pois as pessoas somente se interessam, e, portanto, percebem, os problemas que realmente fazem parte de sua vida. Ainda mais distante o interesse em estudar e buscar identificar as conexões entre os problemas percebidos e os seus próprios comportamentos.
O grande desafio do Gestor Ambiental é construir estratégias para conseguir, em meio a uma sociedade líquida, construir condições objetivas para que a sociedade possa se apropriar dos seus conflitos e negociá-los, reconstruindo a viabilidade de uma nova territorialidade, baseada na noção de uma individualidade que é construída na relação com os outros: o indivíduo como nó em uma rede de conexões sócio-ambientais, onde cada um é único porque constitui um conjunto histórico de relações também único. Uma nova solução para a relação entre o individual e o coletivo, baseada na auto-organização.
Deste modo, pode-se dizer que o espaço conceitual da Gestão Ambiental está entre a escassez e a dissonância cognitiva.

fonte da imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8ZlYBzuzv20x95d6RQP8lHLMaTtpi6VVUapOeoOVf5mpDYvXzcNnAzivHbkLwNIKHiJhzAI6Zqti0UrjwAs0nXzc59vvs3oCn-gKWJTj_Hggvr3ghtKtlGknox9MuWDXQSMH0AZhp-Bk/s400/Cognitive_Dissonance_Brain.jpg





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